Humor, nonsense, sátira, junte a isso algumas incursões no universo onírico, com um tiquinho de nostalgia e introspecção.

sábado, 3 de setembro de 2011

Entrei na fila errada, e ela está andando rápido...


EQUINO EQUÍVOCO




[Imagem: Thiago Cayres]

Eu não poderia estar aqui. O homem do abate deve estar bêbado. Cavalos não vão para o matadouro, morrem de velhos. E não me venham, por favor, com a propalada mortadela equina, que isso é lenda infundada. O que se poderia aproveitar da minha carne adocicada e gordurosa para fazer embutido não justificaria o custo, o trabalho e a duvidosa aceitação do paladar humano.



Entrei na fila errada, e ela está andando rápido. Digo que é doído o sentimento do boi, a agonia adrenando as tripas, a certeza ancestral de saber ser este o caminho da morte. O boi conhece a sua hora e aceita sua fatalidade assim como se conforma com o afastamento prematuro da mãe, com o leite surrupiado dele para fartar os meninos de bigodinhos brancos e poupar os seios de pera das mamães novas. O boi é triste e conformado, tem a noção instintiva de que nasce para abandonar a vida no auge do viço.

Com cavalo é diferente. O máximo que fazem é usar nossa crina em arco de violino. Até o esterco é subaproveitado. Com um pouco de sorte ou influência leva-se um vidão puxando charretinha em estância hidromineral. Pangaré manso, só no trotinho pra criança não assustar. Que galopem eles, que se dizem racionais, em suas metrópoles. Que se ferrem, que se esfolem e se matem para amealhar a porra do dinheiro que no fim das contas será gasto lá, na calmaria das montanhas, em infindáveis voltinhas de seus pimpolhos carregados pelos meus primos, enquanto eles fornicam em suas suítes.


Agora só tem mais um na minha frente. Basta um relincho pra que me tirem daqui ou terei que meter um coice no peito desse imbecil?


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.

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