Humor, nonsense, sátira, junte a isso algumas incursões no universo onírico, com um tiquinho de nostalgia e introspecção.

segunda-feira, 4 de junho de 2012


A PRIMEIRA MAQUETE





- Eu quero que você me faça só a maquete, por enquanto.

- Tá certo, mas o senhor tem ideia do trabalho que isso vai dar? E se o projeto não for aprovado, já imaginou o tempo que eu vou perder? Meu negócio é carpintaria e marcenaria, essa história de maquete é servicinho de chinês, não é a minha praia.

- Mas não vai ter jeito, moço.  Quem encomendou o trabalho quer ter uma prévia pra ver se está tudo de acordo. Esse serviço é de muita responsabilidade. Eu diria até que o destino da humanidade depende dele.

- Sei não, acho que o senhor não regula bem da cabeça.

- Digamos que a minha sanidade mental não vem ao caso no momento...

- Mas espera um pouco, o que o senhor quer é uma arca ou um navio? Esse desenho que o senhor me trouxe parece mais um navio. Arca é como se fosse um baú, é pra organizar as tralhas dentro de casa. Ó só, tá aqui no pai dos burros: “Arca: caixa grande, geralmente de madeira, com tampa plana, usada para guardar roupas, objetos etc.”. Por falar em burro, tenho que fazer uma acomodação pra ele e sua burralda, não é mesmo?

- Sim, e pra todos os outros pares de bichos.

- E pra família inteira do senhor...

- É.

- O senhor me falou que tem que ter um casal de tudo quanto é bicho, insetos inclusive, certo? Pois o senhor vai ter problema com o casal de cupins. Primeiro pra saber qual é o macho e qual é a fêmea; segundo porque eles vão procriar dentro da arca e comer todo o madeiramento. Estou alertando agora porque de madeira eu entendo um bocado...

- Ok, meu amigo, mas eu preciso saber do prazo pra fazer a maquete...

- Por favor, me diga pelo menos o que o senhor quer fazer com isso.

- Não posso. Meu cliente me pediu sigilo absoluto sobre esse projeto.

- Mas que espécie de projeto é esse?

- Na verdade não é uma espécie de projeto, mas um projeto de todas as espécies.

- Hã??? Olha, quanto mais o senhor explica, mais eu não entendo nada.

- Deixa pra lá, eu preciso saber se você faz a maquete. Simples assim, meu amigo. Entendeu???

- Pelo tamanho do espaço reservado para o compartimento de comida, o senhor vai viajar com a bicharada uns quarenta dias, mais ou menos. Eu só queria saber como é que vai levar a embarcação até o rio ou o mar mais próximo... Nossa, tá muito mal contada essa história. Fora a confusão toda na cadeia alimentar. Se botar todo mundo junto, sem gaiola de separação, o senhor vai interferir no ciclo predatório. E bicho voador? Pomba, urubu, abelha, borboleta, vai ficar tudo voando misturado? Acho que o senhor faltou nessa aula de biologia, heim.

- Ai, ai, ai, dai-me paciência...

- Bom, pra começar o serviço eu vou precisar de um sinal...

(Trovão, raio)

- Tá bom esse sinal pra você?

- Que sinal? O senhor não me deu dinheiro nenhum por enquanto. E eu vou querer um bom adiantamento...

- Pelo amor  de Deus, anda logo com isso. Tá começando a chuviscar... olha, esquece a maquete e parte logo pra arca, depois eu me acerto com o meu cliente. Você é enrolado demais, parece que não quer pegar o serviço.

- Não é isso, não. Pegar o serviço eu pego, mas se começar a chover o prazo de entrega muda. Sabe como é, tem que parar tudo, recolher as ferramentas, esperar a chuva passar...


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Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário e colunista em diversas publicações impressas e eletrônicas.

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